terça-feira, 28 de abril de 2009

Anti-Intelectual

O sol levanta comigo.
Comer tremoços salgados com casca e em molhe. Limpar a mão ao pijama cinzento. Um quadro de flores exóticas. A mão sente a areia quente da praia melhor que um abraço. Palavras rumor ignoro. Não levantar e adormecer. Não me lembrar dos sonhos. Acender um cigarro que dura o suficiente. Espreguiçar amplo e adormecer de novo. Acordar fresco mas tomar café. Não bocejar. Não ir à água. Olhar o céu e pontinhos brancos bailam descoordenados.
Hoje fui ao bar do hotel e é noite de karaoke. Não pensei nisso, apenas fui. Mal olhei as pessoas e bocejei sem tapar a boca com as mãos. Adoro putos. Não havia conversa mas também não queria falar. Não olhava para o palco onde ontem houve show de papagaios. Depois olhei e estava uma mulher boa super a vontade. Não cocei a cabeça e olhei a parede amarela. Ouvia. A minha prima pré-adolescente começou a fazer palhaçadas. Sorri sincero mas não prestei muita atenção. As luzes ficaram mais fortes e ceguei temporariamente. Não olhava para a parede. Mudei de sofá e prestei atenção ao karaoke como toda a gente. Depois de “where is my mind?” Saí.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Fragmentos nocturnos

Luzes múltiplas nos semáforos intermitentes ao longe, eu sob o candeeiro da sala resgatado para a varanda ao papel, escrevendo. O mar quase funde em cor com o céu ainda empobrecido de escuridão, naquele ponto em que os barcos de grande porte e as estrelas são um só e desaparece a linha do horizonte. Uma réstia de lua brilha noutra esfera do planeta ou está ausente pelas nuvens densas sem contornos. As árvores altas sentem o embalo do vento adocicado.
A realidade existe sempre na perspectiva de quem a vê. Subjectivamos o objecto que só o é nas concordâncias.
Um gato branco e vigilante procura comida. Não vai às pessoas, então procura ratazanas nestes solos semi-esverdeados de requinte, num hotel abandonado à falta de luz. Vejo mais varandas iluminadas do que na hora exacta da noite anterior.
Por fim, a linha do horizonte desaparecendo, desvelando escuridão, não há barcos e uma só estrela cintila visível ao frio pequeno na mão descoberta que escreve. Toda a luz é eléctrica e mais viva que a estrela solitária, que assim tão só, não parece rebentar luz.
A penumbra verde é agora negrume vivo, relances de neons tendem a apagar. Silêncio destabilizado por um monólogo dirigido a um público inexistente. Sei que a lua está atrás daquela casa. Vejo a poalha luminosa dos seus arredores no céu enevoado. Só pode ser a lua, a sua aurora de apartamento. Já sem estrela o que está visivelmente mais longe é um aglomerado urbano de macroestrutura, que sobrevive com o mesmo tipo de poalha, mas alaranjado. É mesmo a lua, e quase cheia não fosse faltar um laivo quase imperceptível que abate ligeiramente a parte cimeira deslocado para a direita. Amarelada, depois branco resplandecente. Nuvens com contornos sombreados a branco, rodeando a lua que me faz levantar e falar outra vez para o publico fantasma:
- Decrépitos obscuros, feliz noite vos acolham. Não tenciono a vossa atenção, procuro a minha na falta de aplausos.
Improviso mais um pouco:
- A noite hoje é um pouco mais longa, mas irei uivar consoante.
Estava com vontade de falar com alguém. Telefonei ao meu pai. O negócio está fraquinho porque está tudo de férias, a minha segunda mãe foi a um SPA budista e ainda recebeu presentes. Também lá esteve um dia frio.
Hoje a lua é imune às nuvens lívidas que avançam transparentes nas extremidades prolongadas. Agora distingo o mar brando que brilha largo por esta lua omnipresente. Uma nuvem maior fez drama cobrindo a face crateriforme da lua que no mar não se esconde.
Quase tudo a dormir aqui. Enchi a barriga de água fria e voltei para finalizar num ponto diferente da varanda de frente para o astro sozinho de estrelas. Amanhã parto para Lisboa.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

O complexo de Marilyn Monroe

Algo nos impele para o material. Vejo uma criança em transe, colada à montra de uma loja de muitos brinquedos, e numa súplica teatral dirigida aos pais, reduzidos ao elemento que pode comprar o carrinho vermelho de rodas largas. Essa criança cresceu à estatura independente do chamado adulto, já lá vai a alegria disponibilizada pelo dinheiro dos pais que efectivamente compraram o carrinho. Agora, este ser de barba aparada quer aquele carrão desportivo espalhafatosamente caro. Só estar dentro de tal carro à experiência o enrubesce de euforia. Do lado de fora, num banco de rua está um vagabundo a rir. O homem do carro nota que está um louco lá fora a rir olhando para si. Por momentos pensou que ele ia sufocar, tal convulsão abalava o seu corpo, mas não, apenas conseguia rir desalmadamente. Uma intriga nodosa fê-lo sair da loja e perguntar ao vagabundo de que ria ele. Passou um bando de pássaros, um carrinho de bebé, um manco e um grupo de turistas japoneses com as suas máquinas fotográficas de lentes telescópicas e acharam a cena engraçada: Um homem vestido como um empresário, sério como um abutre, e um vagabundo enrolado em mantas feliz como se tivesse descoberto o seu ponto G. Num português atabalhoado perguntaram “tilal foto?”. Passou um Boeing, dois putos com bisnagas e por fim o vagabundo parou de rir. Como serão aqueles putos em adulto? Quando o empresário ia falar, o vagabundo interrompeu-o a meia-palavra. Explicou que estava a rir porque quis.
- Vi o seu entusiasmo e quis sentir o mesmo.
Que valor teria o carro ao empresário se nenhum sentimento lhe despertasse, como se de um amendoim oco se tratasse?
Ora, a euforia parte de nós e não precisamos de nenhum brinquedo para a sentir, só não fomos ensinados de melhor forma.
Generalizando, a cobiça pelo material ocupa a nossa ambição, e às vezes, algum desse material fará diferença. Mas tendo comida e possibilidade de dormir, o essencial está em nós.
Se estamos devastados por uma depressão profunda não há brinquedos nem mesmo um filho, que façam diferença. O essencial está destruído.
Alguns reconheceram o essencial e desenvolveram-no, sentindo em constância estados diametralmente opostos à depressão que os torna invulneráveis ao drama, ao chinfrim mesquinho do exterior. Como oceanos, a superfície pode tornar-se turbulenta mas na sua profundidade nada altera perante a tempestade. O verdadeiro mestre é aquele que domou o seu interior e não mais escravo de circunstâncias. Ele tem um placar na entrada do seu lar que diz: “Todo o receio perante a vida, reside no drama que há dentro de nós”. Mesmo numa guerra em panorama eminente de morte podemos estar num estado de absoluta calma. Essa era a força dos Samurais que tinham no seu essencial a confiança inabalável mesmo perante a morte.
Se temos medo de alguma coisa deveria ser de nós próprios, pois é de nós que parte tudo o que nos pode magoar.
Num campo de concentração, em plena tortura, havia uma pessoa que não reagia com o crescente ódio e temor dos restantes aos torturadores. Não, ele reagia com amor. Quando se conseguiram libertar, investigadores estabeleceram contacto com as vítimas de tortura, e com espanto ouviram o testemunho visivelmente credível do homem que reagiu com amor. Ele era o único que não apresentava sinais alguns de trauma ou angustia ao relatar o que lhe fizeram.Estas são situações extremas só para assentar o meu ponto de vista, normalmente pisar um pedaço de merda de cão já nos tira do sério. Mas também quem nos ensinou diferente? Preocuparam-se somente em vocação sermos profissionais de trabalho, hábeis em teoria redundante que encerra eficaz apenas na especialização laboral. Afirma-se essa redundância quando pessoas sem curso estão melhores consigo mesmo. Não depende de uma licenciatura. Há muitas pessoas satisfeitas mesmo assim e ainda há espaço de manobra para algum rejúbilo. Dentro de nós há êxtase acima do amor transbordante, há píncaros imunes à exaustão e respostas à luz mais lucida, que nenhum brinquedo proporciona, daí a celebre frase: “Tudo o que procuras está dentro de ti”. Se o soubéssemos reconheceríamos a veracidade desta frase.