sábado, 13 de fevereiro de 2010

Viagem caligráfica

Desfaço as malas apinhadas de canetas e papel. Visualizo uma abstracção esférica e pondero meticulosamente no segredo indomável das palavras que resvalam dos olhos quando as queremos fixar. Elas fervilham multiplicidades. Quando são concretas como a garrafa de vinho branco ao meu lado, formula uma imagem. Quando extravasam reticências opacas, marcam uma sensação e cada vez mais subjectiva. Portanto a minha viagem será bem diferente da vossa, de nebuloso imaginário com um copo de vinho só para situar terreno. Pois uma nuvem a cada segundo sugere algo diferente. É essa esquina esquiva que desvela o misticismo da escrita oblíqua, onde o orvalho seca lentamente sem que ninguém o veja claramente. Pego na garrafa e parto-a no chão impecável deste hotel alucinatório. Depois espremo uma tangerina corrosiva para a língua e corto uma veia para saber que é real. Ondulações voláteis arrepiam a espinha quebradiça de cansaço e renovam a ninfomania lírica consumada a cada palavra desferida suavemente. Não sei para onde vou, mas vou e então outra garrafa aparece ao meu lado, cheia de vinho branco. A rolha hesita mas salta com aquele som em eco seco. Neste momento esquecível uma mosca verde é esborrachada com a minha caneta e saem lombrigas contorcendo como batatas fritas estalando. Acendo o meu charuto que entretanto apagou. Começam a bater à porta, provavelmente do fumo que escapa pelas frestas da estúpida e tosca porta de madeira. Mas com a caneta os calo e dou mais um beijo no gargalo da garrafa. Pego no preservativo espinhoso, agarro uma maçaneta ferrugenta:
- Vão pró caralho que agora estou bêbado! – Porta bate quase parte
Seguro na caneta sabendo que é a ultima maré de tinta. Velejo na areia molhada e um pequeno filho-da-puta caranguejo ferra-me com as suas pinças, desaparece como aparece como se fosse só para me dizer dor. Mas a mão persiste à longa noite que se tornou e escreve já sem intenção. Solta uma cor ao abrigo do silêncio. Sublimo um suspiro cavernoso no remate da geometria desfigurada. A retina treme. Partes do corpo frias outras quentes. Sujo como um sabonete. Tensão última de microestrutura. Com um final cortado de