segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Liberdade forçada

Há cargas emocionais, quando habituais, fazem um cerco à liberdade comportamental. Para agirmos, temos de usar a vontade. O medo paralisante com toda a sua carga fisiológica, empurra o ser para o resguardo. Comum observar o fenómeno que apelido de "liberdade forçada" em que agimos na direcção contraditória da carga emocional. Em medo extremo os guerreiros investem contra o seu elemento temido, o batalhão de soldados da oposição, fiel aos valores que justificam o seu comportamento, que exercem a "liberdade forçada". Foco o fenómeno na carga emocional: medo. Por ser a mais relevante no dia-a-dia, a mais dominante e escravizante. Quando novos reagimos ao medo sem qualquer "liberdade forçada". O medo surge e adoptamos o comportamento associado, sem qualquer desvio ao que sentimos. Quando o conflito entre o que acontece e o que deve ser se instala, começamos a exercitar o poder da nossa vontade psicológica para fazer o que queremos aparte do sentimento de medo. Em estados de medo extremo, algo tem de balancear no outro lado para forçarmos o comportamento contraditório. Considero de grande força psicológica, as pessoas que exercem a "liberdade forçada" com poucos valores balanceando no lado oposto do medo, aqueles despoletam uma vontade avassaladora por mera decisão. É esta força que nos faz confrontar as nossas inseguranças, e conhecido pela comunidade científica, para acabar com uma fobia, é suficiente enfrentar o elemento aterrorizador para a "liberdade forçada" se tornar numa liberdade espontânea, aproximando-nos sereno do que antes nos atormentava. A vida vai tendencialmente colocar obstáculos que se superam com a "liberdade forçada". É habitual quem tem esta força ser bastante confiante, quem a usou em variadas provações, porque além de superarem as suas inseguranças, sentem-se capazes como pessoas.
Puxar pela resistência física, é um treino moderado de força de vontade se não tiver envolvido valores maiores que apenas fortalecer esta. Deixar de fumar está uns graus acima, pela proximidade dos sintomas a combater estarem próximos à ferramenta da vontade, o pensamento. O mais complicado em relação a dependências é a batalha psicológica, e os sintomas físicos são relevantes apenas no sentido em que vacilam a veemência do pensamento. O aspecto crucial de todos os processos de fortalecimento mental é o tempo, que a cada cadência enfraquece a vontade. O ideal é viver em fluidez com a corrente da vida, mas ter uma vontade robusta quando somos destacados para superar obstáculos. O que está a ser cada vez mais comum é encalhar em aflição perante um obstáculo mais austero, que nem é uma condição física. Quanto ao saber fluir com as melodias inusitadas da existência, aquela ausência de conflito que revela os melhores cumes de harmonia soante, já esse amadurecimento como ser, é raro. Porque não é isso que querem de nós. Há sempre alguém a querer subir na hierarquia de poder, a querer deter controlo sobre o outro, a apoderar-se de território à custa do território do outro. A querer delimitar a sua perspectiva confortável de vida, pois se conseguimos cercar algo, podemos agarra-lo com a mão. O homem livre é temido, porque nada tem mão nele.

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Poças de merda

Privacidade?
Aquilo era um mundo estranho.
Para sobreviver tive de largar alguns conceitos
Aqui gera-se um padrão, para evitarmos o desconhecido
Se tudo for previsível, não temos de lidar com o Caos.
Tenho um certo orgulho, por ter estado lá, no Orco, para além do impossível, onde os corações desfalecem em cinza. Agora percebo quem eram os meus educadores, embora na altura, havia uma sensação de desolação árida, não era solidão, era saber que estava por mim. Pois a mão insidiosa largou-me na mais caótica carnificina. Enfrentar o desconhecido era inevitável… Longos desertos de agonia, apunhalado por corvos fumegantes, zunires de demência. O maior aprendizado de certos sofrimentos, consiste em conseguir levantar sozinho. Bem no meio da desordem psicótica, olhos e vozes por todo o lado. Bem no meio da poça de merda, erguer o peito e caminhar como um danado.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Lei Divina

As pessoas estão a ficar iguais… as linhas que dividem estão onde?
Eu comecei a faze-lo por mim, laboriosamente tecendo uma auto-imagem rica e mais aprazível. Desde cedo percebi quão fulcral é a auto-estima no todo que é a nossa vida, mas era um entendimento teórico, menos substancial no mundo a que chamamos “ter uma experiencia”.
Foi preciso desmoronar, como um escravo escavar o buraco existencial, e de lá não saber sair. Lá em baixo, numa espécie de submundo, deparei-me com uma realidade desfigurada, delírios febris, uma pestilência macabra cerrava a atmosfera, constantemente espancado com o peso de multidões em urros de carnificina. Os que me podiam ajudar lá na superfície, lançaram gasolina em cima de mim e fizeram-me arder. Uma outra noção de calor humano. Mas alguém ajudou-me a sair da cova, poço, abismo, essa abstracção literária bem presente em muitos. Com um sorriso já quase esquecido caminhei pela cidade sem medo de ser apunhalado. Ganhei o meu espaço e agora era possível ser construtivo com algumas probabilidades mais a favor. Percebi o que tinha de essencial a experiência: Um ódio lancinante a tudo o que eu era, tão forte que inconscientemente o temia, ao ponto de não se manifestar o aviso…com tanta pressão dentro de mim implodi. Comecei a levar a sério o termo usado em psicologia ocidental: Auto-estima. Discordo que ela se fundamenta exclusivamente na bem-sucedida vida social. Esta estima alimentada de “sucessos sociais”, por si só, gera os chamados, e tão odiados, “convencidos”, eles lá tem a sua liberdade, mas os que estão sob a alçada da voz de um “convencido” sentem-se limitados no seu ego e então a reacção mais natural é odiá-lo. Há “convencidos” que cristalizam o seu status de superior e já ninguém os tira de lá, esses além da ameaça ao sentimento de inferioridade, provoca a sensação de haver uma só voz na conversa e isso às vezes é o ponto final na relação que afinal de contas já não existia. Os “convencidos” cristalizados que são autênticos não se dão com muitas pessoas. Os “convencidos” ampliam as suas virtudes e estas ofuscam o “erro”. O “erro” é desvalorizado perante a exuberância das suas virtudes. Isto é um processo muito incompleto de auto-estima, porque o “erro” que eles detestam está lá, apenas fica colocado num local pouco iluminado do seu espelho. Que eles o detestam, é verificado na sua intolerância a pontuais características dos outros. Eles não aceitam (e agora a palavra aqui é bem colocada) o “erro”. A auto-estima de que falo, é fundamentada na aceitação global de tudo o que somos. “Erro” e virtude, beleza e fealdade, a harmonia entre o masculino e o feminino, hemisfério cerebral esquerdo e direito.
Comecei a faze-lo por mim, longa estrada por percorrer.
A criança não tem defesa aos insultos dos outros, trespassam a carne até ao ego e nesta fase o sucesso social é importante, mais tarde o nosso ego reveste-se de robustez suficiente para alterar de perspectiva pelo raciocínio desenraizado da mentalidade colectiva. Foi a mentalidade colectiva que feriu a criança, bem cedo. O julgamento no intuito da ordem harmoniosa, está a gerar ódio. O processo de aceitação, não enfraquece o discernimento, nem o sentido crítico factual. Sabemos exactamente com quem estamos a lidar, só não há censura.
Comecei a faze-lo pelo meu gáudio imperial… aceitar-me. Mesmo o aspecto mais repugnante, dei-lhe hipótese de respirar, convivi com ele sem lhe impor uma pena. Pelo percurso sinuoso, quanto mais libertava á naturalidade, mais “podres” emergiam, que disparavam inevitavelmente uma carga emocional punitiva. Aqui estava o cerne, o núcleo duro desta lenta metamorfose. Lenta porque envolve emoções enraizadas associadas a perspectivas. Quando estamos mais calmos as perspectivas são mais voláteis. Então inicialmente a aceitação fortalecia através de relaxamento, com este relaxamento cada vez mais profundo é fácil decidir, é fácil ser tolerante a pensamentos que anteriormente doía de enfrenta-los. Desbravei muito egoísmo reprimido em mim e esses chamados “erros”, o certo é que a minha insatisfação dissipava. Ao longo do tempo fiz muitas caretas de surpresa ao espelho interior, coisas que pensava não existir em mim. Ao longo deste tempo, o medo e todos os derivados nocivos apaziguaram a sua revolta neurótica e voltava à premissa da mentalidade colectiva: Ordem harmoniosa.
O que começou como uma volúpia egocêntrica evoluiu para uma postura social aberta, “até onde tu fores, eu vou ao teu lado”.
Não há julgamento relevante ao que “és enquanto pessoa”, lá no olimpo psicadélico estão os extraterrestres coloridos a consumirem-se em culpa e a ir a confessionários com chicotes pelas costas abaixo para lavar a falta de respeito. Eles são de outro mundo, inventaram uma maneira de não ser humano, negando-se. Eu deduzia em teoria toda esta coisa da auto aceitação a longo prazo abranger também a harmonia social, mas agora estou a vive-la. Dou por mim entusiástico para a solidão e a comunhão. Acho que quando nos sentimos mal sozinhos é quando a constante companhia, nós mesmos, não é agradável. O suposto criador do conceito “lei divina” não tencionava punir ninguém, apenas orientar as pessoas para o templo de Deus. O que ainda não acontece porque também não é desejável no jogo do poder humano, é orientar…castiga-se, e lá bem no fundo não é um castigo, é uma vingança…

quinta-feira, 10 de março de 2011

A mecânica da Arte

Nos confins da natureza submersa, uma maça onírica, caí na cabeça do escritor. Um clarão esparso arrepia-lhe as ligações sinápticas e um impulso visceral, rebenta os limites corporais. Pela imaginação cria um outro tipo de vida. Existe pela capacidade de abstracção da realidade corrente no padrão mnemónico.
A arte não é uma tarefa, é uma experiência anacrónica, feita do mesmo tecido da criação primordial. Queremos algo pulsando de vida, mas a obra literária é amorfa, não tem consciência, ela vive na consciência das pessoas. Quanto mais pessoas a lêem, maior se torna. Quanto mais finca as presas na sensibilidade da pessoa, maior o seu carácter.
Depois de ler a ultima página e o que a pessoa vai fazer ao mundo com o que acabou de ler… e o processo de criação pode apenas estar a começar.

sábado, 22 de janeiro de 2011

Homem confiante no sinistro fim do mundo

É até onde me lembro.
Estava um cão de rua esventrado no meio da estrada de alcatrão, a sangrar interminavelmente. Daquele corpo não podia verter tanto sangue, mas assim acontecia. Uma poça enorme alastrando cada vez mais. O cão tinha um corte na zona abdominal, era um rafeiro já muito velho; surrealista que estava ainda vivo. Quando revirou os olhos, o momento da sua morte, o sangue deixou de expandir em diâmetro e formou um fio corrente pelas ruas. Enquanto caminhava seguindo o sangue, notei que mantinha-se quente, com o vapor do calor serpenteando no ar pelas ruas correndo. Sugiro que algo estava ali vivo muito próximo do que é animal.

Qualquer coisa mantinha-me acordado, com uma concentração fulminante, como se captar o que existe dependesse da minha sobrevivência, embora não aflito, tinha as sensações aguçadas e não controlava algumas coisas que fazia. Tentei ir por outro caminho que não o do sangue mas um medo estarrecedor, visceral, aplacou-me e assim fui pelo caminho. A minha mente parecia estar a interferir nos locais onde passava. Algumas imagens mentais projectaram-se na realidade objectiva. Ah e a luz agora estava verde. Sim, estava um grupo de pessoas encapuçadas de cruz na mão e em coro diziam: “A luz das máquinas é verde”, só isso, entoando num ritmo lento e quase monocórdico, grave. Pois era noite há tempo demais e a luz dos candeeiros tornaram-se verde e embora a minha concentração vívida e os encapuçados de rosto oculto já longe estarem, revoltava na minha cabeça o seu canto solene. Estava a dar comigo em louco e as luzes cada vez mais verdes. Não estava em controlo da situação e agora que repenso nisto as cruzes estavam viradas ao contrário. Confuso tento fazer sentido: ”verdes são as notas”. Grande esforço de vontade para fazer sentido… uma lucidez plácida seguido de uma concentração ainda maior e a luz voltou ao amarelado normal. É uma luz mais “quente”. Quando pensei nisso senti calor nas pernas e julgava ser a mente a interferir na realidade que já não sabia ser objectiva. Era sangue. Mas não era meu, tinha uma faca de mato no cinto de cabedal e lembrei-me do cão esventrado. Espanto! – fui eu que comecei com este trilho de sangue- E nesse momento o sangue parou de escorrer pela rua. A medo afastei-me, mas nenhum sinal daquele terror bafiento. “Para onde vou?”
A concentração era agora sobrenatural e o ambiente condensava.
Percorri uma viela sem iluminação apenas uma aparição tosca da lua refulgindo nos objectos. Há tempo demais que não via ninguém, os prédios não tinham janelas, eram paredes rugosas enegrecidas. Lixo e cheiro a gordura. Concentrado. Mal havia céu. Os prédios eram torres robustas altas como arranha-céus. Vi um candeeiro acesso, mais próximo um vulto sossegado de cigarro na mão, em gestos lentos leva o cigarro à boca e expele o fumo para cima com convicção, vadeando pelo ar. Aproximo-me medindo os passos, a certa distância dele cumprimento-o.
Tinha um chapéu que fazia sombra na sua face.
Homem confiante no sinistro fim do mundo – Ainda bem que conseguiste afastar do sangue, não era suposto ele te levar a mim. Nesta vida…
Eu – Quem és tu?
Homem confiante no sinistro fim do mundo – Uma imagem na tua cabeça; sou apenas uma ideia
Eu – Estou a imaginar-te?
Homem confiante no sinistro fim do mundo – O mundo está a acabar, isso não é importante, tens de apreciar o fim do mundo; queres um cigarro?