quinta-feira, 5 de maio de 2011

Lei Divina

As pessoas estão a ficar iguais… as linhas que dividem estão onde?
Eu comecei a faze-lo por mim, laboriosamente tecendo uma auto-imagem rica e mais aprazível. Desde cedo percebi quão fulcral é a auto-estima no todo que é a nossa vida, mas era um entendimento teórico, menos substancial no mundo a que chamamos “ter uma experiencia”.
Foi preciso desmoronar, como um escravo escavar o buraco existencial, e de lá não saber sair. Lá em baixo, numa espécie de submundo, deparei-me com uma realidade desfigurada, delírios febris, uma pestilência macabra cerrava a atmosfera, constantemente espancado com o peso de multidões em urros de carnificina. Os que me podiam ajudar lá na superfície, lançaram gasolina em cima de mim e fizeram-me arder. Uma outra noção de calor humano. Mas alguém ajudou-me a sair da cova, poço, abismo, essa abstracção literária bem presente em muitos. Com um sorriso já quase esquecido caminhei pela cidade sem medo de ser apunhalado. Ganhei o meu espaço e agora era possível ser construtivo com algumas probabilidades mais a favor. Percebi o que tinha de essencial a experiência: Um ódio lancinante a tudo o que eu era, tão forte que inconscientemente o temia, ao ponto de não se manifestar o aviso…com tanta pressão dentro de mim implodi. Comecei a levar a sério o termo usado em psicologia ocidental: Auto-estima. Discordo que ela se fundamenta exclusivamente na bem-sucedida vida social. Esta estima alimentada de “sucessos sociais”, por si só, gera os chamados, e tão odiados, “convencidos”, eles lá tem a sua liberdade, mas os que estão sob a alçada da voz de um “convencido” sentem-se limitados no seu ego e então a reacção mais natural é odiá-lo. Há “convencidos” que cristalizam o seu status de superior e já ninguém os tira de lá, esses além da ameaça ao sentimento de inferioridade, provoca a sensação de haver uma só voz na conversa e isso às vezes é o ponto final na relação que afinal de contas já não existia. Os “convencidos” cristalizados que são autênticos não se dão com muitas pessoas. Os “convencidos” ampliam as suas virtudes e estas ofuscam o “erro”. O “erro” é desvalorizado perante a exuberância das suas virtudes. Isto é um processo muito incompleto de auto-estima, porque o “erro” que eles detestam está lá, apenas fica colocado num local pouco iluminado do seu espelho. Que eles o detestam, é verificado na sua intolerância a pontuais características dos outros. Eles não aceitam (e agora a palavra aqui é bem colocada) o “erro”. A auto-estima de que falo, é fundamentada na aceitação global de tudo o que somos. “Erro” e virtude, beleza e fealdade, a harmonia entre o masculino e o feminino, hemisfério cerebral esquerdo e direito.
Comecei a faze-lo por mim, longa estrada por percorrer.
A criança não tem defesa aos insultos dos outros, trespassam a carne até ao ego e nesta fase o sucesso social é importante, mais tarde o nosso ego reveste-se de robustez suficiente para alterar de perspectiva pelo raciocínio desenraizado da mentalidade colectiva. Foi a mentalidade colectiva que feriu a criança, bem cedo. O julgamento no intuito da ordem harmoniosa, está a gerar ódio. O processo de aceitação, não enfraquece o discernimento, nem o sentido crítico factual. Sabemos exactamente com quem estamos a lidar, só não há censura.
Comecei a faze-lo pelo meu gáudio imperial… aceitar-me. Mesmo o aspecto mais repugnante, dei-lhe hipótese de respirar, convivi com ele sem lhe impor uma pena. Pelo percurso sinuoso, quanto mais libertava á naturalidade, mais “podres” emergiam, que disparavam inevitavelmente uma carga emocional punitiva. Aqui estava o cerne, o núcleo duro desta lenta metamorfose. Lenta porque envolve emoções enraizadas associadas a perspectivas. Quando estamos mais calmos as perspectivas são mais voláteis. Então inicialmente a aceitação fortalecia através de relaxamento, com este relaxamento cada vez mais profundo é fácil decidir, é fácil ser tolerante a pensamentos que anteriormente doía de enfrenta-los. Desbravei muito egoísmo reprimido em mim e esses chamados “erros”, o certo é que a minha insatisfação dissipava. Ao longo do tempo fiz muitas caretas de surpresa ao espelho interior, coisas que pensava não existir em mim. Ao longo deste tempo, o medo e todos os derivados nocivos apaziguaram a sua revolta neurótica e voltava à premissa da mentalidade colectiva: Ordem harmoniosa.
O que começou como uma volúpia egocêntrica evoluiu para uma postura social aberta, “até onde tu fores, eu vou ao teu lado”.
Não há julgamento relevante ao que “és enquanto pessoa”, lá no olimpo psicadélico estão os extraterrestres coloridos a consumirem-se em culpa e a ir a confessionários com chicotes pelas costas abaixo para lavar a falta de respeito. Eles são de outro mundo, inventaram uma maneira de não ser humano, negando-se. Eu deduzia em teoria toda esta coisa da auto aceitação a longo prazo abranger também a harmonia social, mas agora estou a vive-la. Dou por mim entusiástico para a solidão e a comunhão. Acho que quando nos sentimos mal sozinhos é quando a constante companhia, nós mesmos, não é agradável. O suposto criador do conceito “lei divina” não tencionava punir ninguém, apenas orientar as pessoas para o templo de Deus. O que ainda não acontece porque também não é desejável no jogo do poder humano, é orientar…castiga-se, e lá bem no fundo não é um castigo, é uma vingança…

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