quarta-feira, 10 de novembro de 2010

sobre a Noite

Não é acaso que à noite tudo sai do padrão.
O submundo psíquico sintoniza instintivamente com a ruína da ordem civilizacional. A noite dos néones distorcidos e do fumo, das clareiras negras e as fogueiras claudicantes, o refúgio primordial da criação, a placidez ilusória do caos nocturno. Nada é directo, tudo reflecte como a luz solar na lua e emerge o oculto que exercita os seus transes nos bosques distantes, o simbólico personificado nos ritos. O céu pouco distingue do mar, para a linha do horizonte se perder na matéria negra.
Eu habito a noite cada vez com mais reverência, algo de paixão artística se conforta na subtileza das horas longas. Silvos esporádicos segredam o mistério do que existe além do visível. Todo o vácuo para explorar, alheio às coordenadas. Morte e impulsos inconscientes, sonhos e estados alterados de consciência.
Acendo uma vela e pego em páginas muito antigas. Uma iluminação precária com aquelas palavras exaltam um ambiente quase sagrado no meu psiquismo. Percebo os olhos do lobo cintilando muito quietos na escuridão, percebo o que faz o homem de gabardina sob o candeeiro com o seu cigarro noctívago. Largo uma ultima página no raiar de um novo dia.

sábado, 23 de outubro de 2010

Orgia agendada para dia 13 na Igreja da Graça

Há demasiada gente arruinada no seu inferno pessoal, devido a uma “traição amorosa”. Se é o teu caso peço que não leias esta texto, não te vai acrescentar nada e poderá ainda contribuir para mais revolta.

O sexo é um mistério revelado na filosofia do tantra. É criação dinamizada, ostensiva e fulcral no crescimento de qualquer pessoa. O que acontece normalmente nesta sociedade de bebedores de bicas é o domesticar, de tal forma absurda, que se pode tornar tedioso, e então os casais vão ao baú de experiências e imagens de outras mulheres e homens, para sentir tesão. Exactamente, a força criadora tornou-se lugar-comum, e quando não resgatam a novidade mentalmente, dado adquirido lá se ganha coragem para uma aventura com o/a amante. Normalmente tal façanha é moralmente desconfortável a primeira vez.
Estamos a iludir quem? a natureza? Não podemos desenraizar a natureza, mas acima do solo fazemos tudo dela, pintamos cores diferentes, cortamos rente, tapamos com um monte de merda (caso dos padres).
Enquanto a paixão tende a ser mais selectiva unindo esforços num único individuo, o sexo tende a constantemente diversificar o seu objecto de desejo. Nem a paixão ou o sexo são acontecimentos previsíveis como os ponho. há quem se apaixone por varias pessoas ao mesmo tempo e há quem só tenha desejo sexual por uma pessoa. Amor é algo que falo com reserva porque não completei o meu curso de vida no Tantra.
O que está aqui a sabotar a harmonia é o ciúme, o sentimento de posse. O ciúme não é inevitável em relações intensas, sobrevive de inseguranças profundas, de lacunas que querem possuir algo, de uma intimidade mal resolvida. É raro a ausência de ciúme, mesmo nas pessoas mais confiantes e completas de estima, há uma pontada teimosa remoendo com a possibilidade da perda. Infelizmente temos poucos exemplos na nossa civilização de tais pessoas, ao ponto que tornamos a ideia de ciúme inerente a todo o ser humano. Estou agora mesmo a observar a meninice das pessoas: Um canário amarelo lindo, que o dono gostou tanto dele que o pôs numa gaiola, não vá ele usar as asas que estão lá como ornamento.
É de liberdade e aceitação e amor, de explosões e implosões de dar desmesuradamente porque amamos. O amor mais sublime não tem território, o mundo está lá para lhe ofertar ouro, incenso e mirra. Tenho sempre que recorrer a exemplos porque somos ser condicionados de uma sociedade de perspectiva estreita: Os casais que fazem swing, é um exemplo de pessoas que souberam não cair na monotonia, ao invés enriqueceram a sua união de uma nova vivacidade. Já para não mencionar algumas tribos em que o conceito de intimidade nem existe, pois não há pudor, que é um derivado do medo, filho da repressão. O mundo do sexo é vasto, não por acaso que me expressei como sendo uma força criadora.

Coloco-me numa escadaria larga que conflui para uma avenida abastada de carne humana, e vou espreitando a mente dos transeuntes:
*um homem não enfia o dedo no cu! *e não é que a puta me meteu os cornos*aquele gajo é um chonas*aquela gaja é uma vaca*no primeiro encontro nunca!*Quero tanto ter um orgasmo, só um…*Foda-se trocou-me por um monhé*não confio em ninguém*

Facada, traição, cornos… criaste o teu próprio mundo bélico contra o que se tornou o teu inimigo, o que dizias amar; tens-lhe amor, não O tens, nem a sua liberdade.

Não há absolutamente nada de errado com o sexo. De prazer ao amor, nada nele há de “impuro”. É uma energia base do ser humano. Um corpo tornado sensual. O corpo é um templo de prazer com o seu misticismo peculiar. Se concordas que o sexo é natural como uma planta, porquê tornar a planta num segredo, ou tabu, ou conversar baixinho para Deus não ouvir?

A ORGIA está agendada para dia 13
O padre vai atribuir um prémio ao preservativo mais original que é enfiá-lo no seu cu.

sábado, 9 de outubro de 2010

brinquedos

O desejo aliado à vontade,
e éramos crianças

Ora o artificial é usar a vontade para desfigurar o que brota imaculado da fonte, o desejo.

Nem por certo o artificial acelerou a evolução

Drogas para sentir algo do que é a evolução
Drogas para reparar algo do que a vontade arruinou
A nossa grande liberdade de conceber o inferno
A nossa grande possibilidade de não saber como

A minha delícia de ver possibilidades…

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

esfera

Uma esfera densa de tensão, todo o meu foco alarmado e com a intensidade progressiva de atenção, acontece o pavor. Qualquer movimento da vontade é inútil, à flama destemperada desarvorando contendo… um conflito brusco. A batida do coração assusta. Desta vez fico por aqui. Inspiro; os músculos flagelados de nervo bioquímico, distendem. Uma poalha periférica persiste, à tona da pele, como uma aura, e esta também dissipa; conforto


Uma barragem racha, sempre que imponho ao tento, a loucura. E a loucura acontece, palmando terreno para se alastrar, para formar uma enorme corrente marítima. Apenas fico louco mais vezes, em segredo.


A esfera está agora aberta, com uma fenda ampla, e vejo o núcleo duro, mas não consiste em medo. É uma energia indecifrável à minha compreensão imediata. De curiosidade aguda, observo, sem no entanto poder assegurar o que lhe seja. Determinei, pelo tempo que lhe dediquei, ser benigno, mas nada posso assegurar…

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

arder de medo

As toxinas na minha fibra muscular, o escárnio nos dentes tensos.
Dizem que o medo é frio, este é, quando repentino. Se ele perdura, uma senilidade neurótica fere o pensamento, um por um, como gotas de ácido de algum pesadelo cruel. A noção de clareza nuble e o medo é agora físico, frenético, descargas de chumbo em brasa esfoliam a carne. O pavor prolongado, são chamas corroendo até à medula, um absoluto erro de existir. Crepitando de terror, bafiento odor de demónio.
Pois dor não é sofrimento, o que a mente atribui à dor torna sofrimento.
E lá estava eu, a aprender. Percebi o que significa crescer. Quando a perspectiva de vida é longa, crescer é significativo. Inspirava golfadas de fumo de ervas medicinais num prato tosco de porcelana. O efeito é quase imediato: Arder de Medo. Porque, que mais há a temer quando a pior sensação de pânico não nos abala? O corpo contraindo em dor violenta e a minha mente num singelo desdém arreganhando: Então não há mais?
Há que ter pessoas experientes nestas andanças acompanhando-nos, porque o cérebro pode estalar e enlouquecermos, e uma vez o cérebro desequilibrado em neuroquímicos, não voltamos a ser os mesmos, é decadência quase inevitável.
Estou em processo. Quando esta técnica revelar os seus atributos mais esplendorosos, algo direi. Entretanto escrevo.

sábado, 3 de julho de 2010

olha a aula

Quanto peso tem a palavra vida?
É o caso não teres percebido que está nas tuas mãos?
Enquanto elas mexem, e enquanto mais mexem, maior ficam
Passei muito tempo sem saber o que fazer, porque não é isso que querem de nós, é normal que diga estas coisas, agora que sei. Com medo de perder nunca ganhei. Podes ver-me de fato e gravata na esquina mais rotineira. Se reparares bem, eu não sou o fato, é apenas um disfarce, uma utilidade nos dias de hoje, mas não penses que me resumi a isso.
Vão-te sempre ensinar a seres aluno. Se tivesses uma só oportunidade, uma vida, e depois morresses… nem aluno queres ser, esse tipo de aluno. Tu sabes o que queres ser, sempre o soubeste, mas depois injectaram-te medo para teres aversão à grandeza, apontaram dedos à tua nudez e sentiste culpa do que és. Toda essa inteligência que és, indomável e livre, souberam-te fazer sentir um tontinho numa gaiola.
Presta atenção à aula.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

NOTICIA

Quando iniciei este blogue (mal sabia soletrar a palavra blogue), virgem no conceito de blogosfera e da sua dinâmica, que aos poucos se expos mais clara, coloquei premissas incertas navegando por mares tumultuosos e também eles imprevisíveis.
Cheguei a este ponto, este texto que lêem. Avisando que o blog iconoclasta vai revelar as suas cores mais peculiares. Aconteceu uma “coisa especial”. Será remodelado, será um acaso no deserto, um refúgio underground. Uma minoria apreciará a metamorfose e nem publicidade será executada. Viverá das bocas que procuram nudez, um carácter cru e, assim finalmente o Iconoclasta se afirma.
Vou no entanto formar um outro blog, este mais lapidado a nível estilístico e com algumas divergências de propósito ao Iconoclasta. O novo blog é dirigido a quem tem uma relação íntima com a escrita, exercida ou lida. Para os interessados em saber o paradeiro deste novo blog contactem-me para o mail já exposto na página.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Viagem caligráfica

Desfaço as malas apinhadas de canetas e papel. Visualizo uma abstracção esférica e pondero meticulosamente no segredo indomável das palavras que resvalam dos olhos quando as queremos fixar. Elas fervilham multiplicidades. Quando são concretas como a garrafa de vinho branco ao meu lado, formula uma imagem. Quando extravasam reticências opacas, marcam uma sensação e cada vez mais subjectiva. Portanto a minha viagem será bem diferente da vossa, de nebuloso imaginário com um copo de vinho só para situar terreno. Pois uma nuvem a cada segundo sugere algo diferente. É essa esquina esquiva que desvela o misticismo da escrita oblíqua, onde o orvalho seca lentamente sem que ninguém o veja claramente. Pego na garrafa e parto-a no chão impecável deste hotel alucinatório. Depois espremo uma tangerina corrosiva para a língua e corto uma veia para saber que é real. Ondulações voláteis arrepiam a espinha quebradiça de cansaço e renovam a ninfomania lírica consumada a cada palavra desferida suavemente. Não sei para onde vou, mas vou e então outra garrafa aparece ao meu lado, cheia de vinho branco. A rolha hesita mas salta com aquele som em eco seco. Neste momento esquecível uma mosca verde é esborrachada com a minha caneta e saem lombrigas contorcendo como batatas fritas estalando. Acendo o meu charuto que entretanto apagou. Começam a bater à porta, provavelmente do fumo que escapa pelas frestas da estúpida e tosca porta de madeira. Mas com a caneta os calo e dou mais um beijo no gargalo da garrafa. Pego no preservativo espinhoso, agarro uma maçaneta ferrugenta:
- Vão pró caralho que agora estou bêbado! – Porta bate quase parte
Seguro na caneta sabendo que é a ultima maré de tinta. Velejo na areia molhada e um pequeno filho-da-puta caranguejo ferra-me com as suas pinças, desaparece como aparece como se fosse só para me dizer dor. Mas a mão persiste à longa noite que se tornou e escreve já sem intenção. Solta uma cor ao abrigo do silêncio. Sublimo um suspiro cavernoso no remate da geometria desfigurada. A retina treme. Partes do corpo frias outras quentes. Sujo como um sabonete. Tensão última de microestrutura. Com um final cortado de

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Foi hoje

Hoje um anjo abandonou-me

Ergo-me à beleza desta noite fumegante, de uma escuridão fria e silenciosa. Ratazanas mortas na estrada de alcatrão, uma vela vermelha iluminando a folha de papel.

Abandonou-me pois não mais preciso dele

Consigo parar completamente e fita-lo nos olhos sem a mínima vibração de inquietude. Ele sorri e diz que eu ainda não vi tudo, que a minha intrepidez se alimenta de um orgulho fugaz.
-então explica-me porque começas a gostar de mim?
O Diabo sorri e em gesto expressivo de oferta dá-me um cigarro, ele, desaparece pelas portadas da morte. Acendi o cigarro sem hesitar, como se fosse um dos meus.
O cigarro reagiu no meu corpo com um prazer inócuo, uma prenda do príncipe da dor, de facto um cigarro inebriante. Recostei no sofá refastelado viajando por nenúfares púrpura e bolas de sabão reluzentes, sabor a mel e a sombras quentes.
O Diabo sabe aliciar os seus filhos e esforça-se para expor o quanto fascínio temos por ele…como se algo nele estivesse em nós
Mas eu não sou de ninguém e não gosto de muros, daqueles que dividem. Estou-me a foder em que gavetas de rótulos tentas meter-me. Estreito…o teu preconceito cheira a merda, vê bem quanta cegueira como pontos nulos e sítios que não pressupões sequer e pessoas que não conheceste a fundo porque a superfície era errada. Mas quem eu sou tu não queres saber, gostas de superfícies retocadas e paras por aí. Masturbaste constantemente com os teus sucessos verbais. Quem as pessoas são importa-te desde que te continuem a sorrir

Este texto não te sorri

Diz que és egoísta demais para o veres. Evitas e é só isso que me incomoda. Não é o facto de seres egoísta, é o facto de o evitares. Foda-se ! não vês o que fazes a ti mesmo quando te negas?