segunda-feira, 13 de abril de 2009

Fragmentos nocturnos

Luzes múltiplas nos semáforos intermitentes ao longe, eu sob o candeeiro da sala resgatado para a varanda ao papel, escrevendo. O mar quase funde em cor com o céu ainda empobrecido de escuridão, naquele ponto em que os barcos de grande porte e as estrelas são um só e desaparece a linha do horizonte. Uma réstia de lua brilha noutra esfera do planeta ou está ausente pelas nuvens densas sem contornos. As árvores altas sentem o embalo do vento adocicado.
A realidade existe sempre na perspectiva de quem a vê. Subjectivamos o objecto que só o é nas concordâncias.
Um gato branco e vigilante procura comida. Não vai às pessoas, então procura ratazanas nestes solos semi-esverdeados de requinte, num hotel abandonado à falta de luz. Vejo mais varandas iluminadas do que na hora exacta da noite anterior.
Por fim, a linha do horizonte desaparecendo, desvelando escuridão, não há barcos e uma só estrela cintila visível ao frio pequeno na mão descoberta que escreve. Toda a luz é eléctrica e mais viva que a estrela solitária, que assim tão só, não parece rebentar luz.
A penumbra verde é agora negrume vivo, relances de neons tendem a apagar. Silêncio destabilizado por um monólogo dirigido a um público inexistente. Sei que a lua está atrás daquela casa. Vejo a poalha luminosa dos seus arredores no céu enevoado. Só pode ser a lua, a sua aurora de apartamento. Já sem estrela o que está visivelmente mais longe é um aglomerado urbano de macroestrutura, que sobrevive com o mesmo tipo de poalha, mas alaranjado. É mesmo a lua, e quase cheia não fosse faltar um laivo quase imperceptível que abate ligeiramente a parte cimeira deslocado para a direita. Amarelada, depois branco resplandecente. Nuvens com contornos sombreados a branco, rodeando a lua que me faz levantar e falar outra vez para o publico fantasma:
- Decrépitos obscuros, feliz noite vos acolham. Não tenciono a vossa atenção, procuro a minha na falta de aplausos.
Improviso mais um pouco:
- A noite hoje é um pouco mais longa, mas irei uivar consoante.
Estava com vontade de falar com alguém. Telefonei ao meu pai. O negócio está fraquinho porque está tudo de férias, a minha segunda mãe foi a um SPA budista e ainda recebeu presentes. Também lá esteve um dia frio.
Hoje a lua é imune às nuvens lívidas que avançam transparentes nas extremidades prolongadas. Agora distingo o mar brando que brilha largo por esta lua omnipresente. Uma nuvem maior fez drama cobrindo a face crateriforme da lua que no mar não se esconde.
Quase tudo a dormir aqui. Enchi a barriga de água fria e voltei para finalizar num ponto diferente da varanda de frente para o astro sozinho de estrelas. Amanhã parto para Lisboa.

Sem comentários:

Enviar um comentário