quinta-feira, 2 de abril de 2009

O complexo de Marilyn Monroe

Algo nos impele para o material. Vejo uma criança em transe, colada à montra de uma loja de muitos brinquedos, e numa súplica teatral dirigida aos pais, reduzidos ao elemento que pode comprar o carrinho vermelho de rodas largas. Essa criança cresceu à estatura independente do chamado adulto, já lá vai a alegria disponibilizada pelo dinheiro dos pais que efectivamente compraram o carrinho. Agora, este ser de barba aparada quer aquele carrão desportivo espalhafatosamente caro. Só estar dentro de tal carro à experiência o enrubesce de euforia. Do lado de fora, num banco de rua está um vagabundo a rir. O homem do carro nota que está um louco lá fora a rir olhando para si. Por momentos pensou que ele ia sufocar, tal convulsão abalava o seu corpo, mas não, apenas conseguia rir desalmadamente. Uma intriga nodosa fê-lo sair da loja e perguntar ao vagabundo de que ria ele. Passou um bando de pássaros, um carrinho de bebé, um manco e um grupo de turistas japoneses com as suas máquinas fotográficas de lentes telescópicas e acharam a cena engraçada: Um homem vestido como um empresário, sério como um abutre, e um vagabundo enrolado em mantas feliz como se tivesse descoberto o seu ponto G. Num português atabalhoado perguntaram “tilal foto?”. Passou um Boeing, dois putos com bisnagas e por fim o vagabundo parou de rir. Como serão aqueles putos em adulto? Quando o empresário ia falar, o vagabundo interrompeu-o a meia-palavra. Explicou que estava a rir porque quis.
- Vi o seu entusiasmo e quis sentir o mesmo.
Que valor teria o carro ao empresário se nenhum sentimento lhe despertasse, como se de um amendoim oco se tratasse?
Ora, a euforia parte de nós e não precisamos de nenhum brinquedo para a sentir, só não fomos ensinados de melhor forma.
Generalizando, a cobiça pelo material ocupa a nossa ambição, e às vezes, algum desse material fará diferença. Mas tendo comida e possibilidade de dormir, o essencial está em nós.
Se estamos devastados por uma depressão profunda não há brinquedos nem mesmo um filho, que façam diferença. O essencial está destruído.
Alguns reconheceram o essencial e desenvolveram-no, sentindo em constância estados diametralmente opostos à depressão que os torna invulneráveis ao drama, ao chinfrim mesquinho do exterior. Como oceanos, a superfície pode tornar-se turbulenta mas na sua profundidade nada altera perante a tempestade. O verdadeiro mestre é aquele que domou o seu interior e não mais escravo de circunstâncias. Ele tem um placar na entrada do seu lar que diz: “Todo o receio perante a vida, reside no drama que há dentro de nós”. Mesmo numa guerra em panorama eminente de morte podemos estar num estado de absoluta calma. Essa era a força dos Samurais que tinham no seu essencial a confiança inabalável mesmo perante a morte.
Se temos medo de alguma coisa deveria ser de nós próprios, pois é de nós que parte tudo o que nos pode magoar.
Num campo de concentração, em plena tortura, havia uma pessoa que não reagia com o crescente ódio e temor dos restantes aos torturadores. Não, ele reagia com amor. Quando se conseguiram libertar, investigadores estabeleceram contacto com as vítimas de tortura, e com espanto ouviram o testemunho visivelmente credível do homem que reagiu com amor. Ele era o único que não apresentava sinais alguns de trauma ou angustia ao relatar o que lhe fizeram.Estas são situações extremas só para assentar o meu ponto de vista, normalmente pisar um pedaço de merda de cão já nos tira do sério. Mas também quem nos ensinou diferente? Preocuparam-se somente em vocação sermos profissionais de trabalho, hábeis em teoria redundante que encerra eficaz apenas na especialização laboral. Afirma-se essa redundância quando pessoas sem curso estão melhores consigo mesmo. Não depende de uma licenciatura. Há muitas pessoas satisfeitas mesmo assim e ainda há espaço de manobra para algum rejúbilo. Dentro de nós há êxtase acima do amor transbordante, há píncaros imunes à exaustão e respostas à luz mais lucida, que nenhum brinquedo proporciona, daí a celebre frase: “Tudo o que procuras está dentro de ti”. Se o soubéssemos reconheceríamos a veracidade desta frase.

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