sexta-feira, 17 de julho de 2009

Come as you are

Ela era de beleza escultural toda nua. Estava quase a ter o orgasmo, naquele ponto mais egoísta do que relação, em que a atenção absorve a onda que vai rebentar. Irrompeu selvagem roçando céus, um orgasmo surreal que me fez estremecer os ossos do corpo. Ofegante, sorriso pós-arrematação, olhei para ela. Estava petrificada num horror que não percebi. Será que fui animalesco demais?
-Que foi querida? – Perguntei hesitante.
- Não tens máscara…
Como reflexo involuntário pus as mãos na cara e entrei em pânico comedido. Pois mesmo na morte, desde que somos crianças pré-adolescentes, ninguém ousa tirar a mascara.
- E…então? Pareço uma criança? Sem máscara?
Estas palavras reuniram as possíveis capacidades de lucidez dela. Um nojo execrável fê-la violentamente sair do quarto.
Fui, num misto de medo agudo e curiosidade, ao espelho baço de corpo inteiro. Quando me vi…
- Pareço um monstro…pareço um monstro…isto não posso ser eu…
Recuei combalido até me sentar na beira da cama desarrumada, perplexo e assustado fiquei alheio ao espaço-tempo do mundo, ate amanhecer. Tudo o que sempre escondi… Mais sóbrio barriquei a porta e a janela ficando na escuridão. A ideia de me ver outra vez era terrível.
O tempo lembrava-me a fome, numa insónia longa, que corrompia-me as forças. Fui buscar um bloco de notas e comi um bocado de papel para enganar o estômago. Comecei a ouvir um alarido lá fora, parecia pessoas em revolta atirando pedras à janela e tentavam arrombar a porta e gritavam: “Sai daí seu monstro!”
Estaria a alucinar?
Velas, muitas velas iluminaram de rompante o quarto. O cansaço não deduziu o facto estranho. Um papel esvoaçava pelo quarto ao vento inexistente. Consegui apanhá-lo. Estranhei ser a minha caligrafia, mas dizia: “ O monstro quando acarinhado recolhe as garras”
As palavras foram fundo em mim e percebi perfeitamente o que fazer.
Foi um choque rever-me ao espelho, mas em esforço de vontade enfrentei-me. Sabia o que fazer…apenas olhar sem julgamento. Lá fiquei, observando aqueles sulcos venenosos, aquela disformidade abominável. No inicio era difícil aceitar, mas aos poucos a própria cara ia modificando. Certo ponto a cara começou a ser mais cara, já não era um monstro, era uma cara. Repousava na minha face, uma paz interior observando e notei até alguns traços de inocência. Quando gostei de mim caí no chão e dormi.
Lá fora estava de facto uma multidão nervosa que espaireceu a tensão ate dispersarem vendo que eu tinha a máscara na cara. Como se nada passasse. Eu sentia-me uma força da natureza, toda ela viçosa e possante num regaço de tranquilidade inabalável…não havia drama. Se uso uma máscara é porque quero alguma coisa do teatro.

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